Francisco Noriyuki Sato

 

BANZAI! HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL EM MANGÁ

Entrevista concedida por Francisco Noriyuki Sato, autor de Banzai! História da Imigração Japonesa no Brasil, ao jornalista Ricardo Cruz em 8/10/2007.

Como surgiu a idéia de contar a história da imigração japonesa ao Brasil em forma de quadrinhos?
Em 1995, no Centenário do Tratado de Amizade Brasil-Japão, lançamos um livro sobre a História do Japão,em mangá. O formato agradou bastante, e já naquele ano, a mesma entidade que encabeçou aquele projeto, a Associação Cultural e Esportiva Saúde, decidiu preparar um livro sobre a imigração para lançar em 2008. Os dois livros, basicamente, visam ensinar a história de uma forma mais agradável.

Originalmente os japoneses vieram para o Brasil para trabalhar durante um tempo e regressar. Como sabemos, não foi isso o que aconteceu. Quando foi que muitos deles se conformaram em não voltar mais e começaram a trazer para o Brasil um pouco da cultura da sua terra natal?
Especialmente os imigrantes que vieram no Kasato-Maru, que trouxe oficialmente a primeira leva de japoneses, tinham idéia de ficar pouco tempo no Brasil e retornar. Havia muita desinformação e ilusão em enriquecimento rápido. Os imigrantes que vieram depois estavam mais conscientes, e por isso, trouxeram materiais esportivos e instrumentos musicais na bagagem, para que seus filhos pudessem manter a cultura japonesa, mesmo residindo no outro lado do mundo. O meu avô é um exemplo disso. Chegou com a sua família em 1934, mas já veio com um lote de terra adquirido aqui, e suas filhas mais velhas foram estudar em escolas brasileiras e japonesas. Pensava em retornar, mas não tão rápido. A maioria percebeu que não poderia mais voltar quando terminou a Segunda Guerra Mundial e o Japão foi derrotado. Nessa época, já praticavam as tradições culturais japonesas aqui. O que mudou foi a mentalidade: agora os seus filhos tinham que estudar no Brasil, já que poderiam morar aqui para sempre.

E qual foi o impacto que essa cultura causou nos brasileiros?
Em termos econômicos, a grande contribuição foi na agricultura. Os japoneses introduziram novas variedades de plantas, desenvolveram outras e mostraram que, com dedicação, a produção poderia aumentar bastante. Muitas verduras que temos hoje nos supermercados não existiam no Brasil há cem anos. Várias cidades foram fundadas pelos imigrantes japoneses, como Bastos e Assai. Na parte esportiva, os japoneses introduziram o judô, o caratê e o aikidô, só para citar alguns. Mais recentemente, a cultura pop é bastante influenciada pela cultura japonesa, mas essa contribuição não poderia ser creditada aos imigrantes, pois é um fenômeno internacional.

Existiu muito preconceito em relação aos japoneses e o mundo próprio que foram criando?
De uma forma geral, os brasileiros sempre aceitaram bem os estrangeiros, porque esse é um País formado por imigrantes. Se houve preconceito foi na época da guerra. As leis brasileiras passaram a tratar de forma diferenciada os japoneses, os italianos e os alemães, pelo rompimento da amizade entre as nações. As escolas que ensinavam esses idiomas foram fechadas. Os japoneses não podiam se reunir e nem falar seu idioma. Numa época nem podiam viajar sem pegar uma autorização específica para isso. Sendo assim tratados como cidadãos de segunda categoria, era natural que pessoas mais simples passassem a zombá-los.

Na sua opinião, a que se deve o crescente interesse de brasileiros sem nenhuma ascendência oriental pela cultura japonesa? Imagino que hoje em dia seja comum encontrar muitos “gaijins” em eventos voltados para a colônia, não?
Eu acho que é um fenômeno mundial. Você tem no mundo a cultura americana que, por vários motivos, é combatida por muitos setores. Você tem a britânica, a francesa, a italiana, a alemã… Mas todos eles são parecidos com a americana, porque se baseiam no cristianismo. Os valores são parecidos. Dentre os países mais desenvolvidos do mundo, o único que não é cristão é o Japão. Daí, as pessoas estão descobrindo novas formas de ver o mundo através do Japão, porque é um ponto de vista completamente diferente. É a mistura de xintoísmo com budismo. Se formos falar de grandes povos, temos o árabe e o judeu. Ambos são monoteístas, ou seja, admitem um Deus único, assim como o cristianismo. O xintoísmo, no Japão, diz que existem 8 milhões de deuses… O conceito é outro!

Durante tantos anos atuando na colônia japonesa, você deve ter acompanhado uma boa parte da formação dessa identidade cultural que hoje identificamos como própria dos japoneses e seus descendentes. Você acha que essa identidade será preservada ou tende a se “abrasileirar” com o tempo?
Quando a comunidade comemorou seu 80º aniversário, já se falava que, provavelmente, não haveria interessados em encabeçar o 90º aniversário. Entretanto, isso aconteceu, e agora sabemos que o 100º aniversário será comemorado em grande estilo no ano que vem. O que eu verifico é que os descendentes mais jovens, quando em contato com as tradições, se interessam bastante, e vão tentar mantê-las. Num mundo globalizado, diferente do que foi previsto, ter uma identidade cultural diferenciada tornou-se importante. Eu acho que os jovens têm mais interesse na cultura japonesa do que os seus pais.

Antigamente, o bairro da liberdade, por exemplo, era recheado de locadoras de vídeo japonesas, livrarias que traziam revistas todos os meses e tinham muitos assinantes e, olhando mais lá atrás ainda, cinemas que exibiam filmes japoneses. Aos poucos, isso foi acabando. Ainda há livrarias e algumas locadoras, mas a situação delas hoje está longe da prosperidade de alguns anos. Na sua opinião, como isso aconteceu?
É o progresso. Aquelas famílias que alugavam vídeos do Japão agora assinam a TV NHK a cabo. Como menos pessoas dominam o idioma japonês, a importação de livros e revistas diminuiu bastante. Quanto aos cinemas, quase todas as salas que não estão em shoppings estão desaparecendo, e não só as japonesas. É claro que, quando você tem um filme estrangeiro, que só é exibido numa única sala, fica difícil cobrir os custos de importação, tradução e legendagem.

Para você, quais foram as maiores contribuições culturais dos japoneses? Hoje em dia, sair para comer sushi, por exemplo, é um hábito comum de muitas pessoas.
É difícil determinar qual foi a maior contribuição cultural dos japoneses, mas pensando no sentido mais amplo, eu acho que devem ser os valores culturais, como a disciplina, o pensar no próximo e a honestidade.

No livro, você trabalhou em parceria com o desenhista Julio Shimamoto, outro descendente que atua e conhece bastante a cultura japonesa. De que forma se deu essa parceria?
Cheguei a fazer um álbum histórico com o Cláudio Seto, e o livro da História do Japão foi feito em parceria com o Roberto Kussumoto e o Antonio Paulo Goulart. Nesse livro sobre a imigração eu queria especificamente trabalhar com o Shima, isso desde que nasceu a idéia. O Shima sabe exatamente como foi a vida do imigrante japonês, morou em várias comunidades, e tinha muito a contribuir com esse trabalho. Desde o início eu estava convencido de que não poderia ser no estilo de mangá tradicional, com olhos grandes, porque não tinha que ser caricatural e sim real. Eu não imaginava outra pessoa no seu lugar. Mas confesso que foi muito difícil convencê-lo a abrir um espaço em sua agenda. Tive que falar várias vezes com ele, e no final, acho que contou mesmo foi uma frase que falei: “você precisa fazer esse sacrifício para deixar uma história honesta para os futuros descendentes. É uma obrigação sua como filho de imigrantes”. O trabalho contou com o auxílio de outro nissei, o veterano Paulo Fukue no roteiro, e do carioca Adauto Silva, no letreiramento e acabamento.

Permitida a reprodução total ou parcial desta entrevista mas é obrigatória a citação da fonte: Ricardo Cruz/Francisco Noriyuki Sato – www.imigracaojaponesa.com.br

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