Do sol nascente ao samba

 

Jornal La Libre, Bélgica
Brasil Eleição Presidencial (2/5)

Do sol nascente ao samba

Raphaël Meulders – 27/10/2010
“Japantown”, no coração da tentacular São Paulo, abriga a maior comunidade nipônica fora do Japão. Reportagem do Enviado especial ao Brasil

Praça da Liberdade em São Paulo. Umdomingo de manhã de outubro. A chuva é pesada, mas é preciso bem mais para assustar Hiromi Hirasuke, 67 anos, que veio vender seus bonsais em sua charrete ambulante. “O céu vai abrir e vai vir bastante gente hoje”, ele profetisa, visivelmente conhecedor dos caprichos da meteorologia brasileira. A “feira do Extremo Oriente” é uma instituição na maior megalópole sul-americana. Cada semana ela atrai milhares de curiosos ávidos por exotismo. O visitante não tem como se enganar: com suas luminárias típicas, seus restaurantes, suas lojas, salões de massagem e seus camelôs vendendo DVDs piratas asiáticos em todas as esquinas, ele mergulha em plena “Japantown”, a maior comunidade japonesa fora do Japão (1 milhão de japoneses ou descendentes de japoneses no Estado de São Paulo e 1 milhão e 600 mil em todo o Brasil). Ao redor das bancas de jornais mistura-se alegremente português e japonês. Um olho nos resultados dos clubes de futebol locais, um outro nas notícias, nas duas línguas que fornecem quatro jornais da comunidade nipônica. A tentacular São Paulo (dois milhões de habitantes em 1950 e 18 milhões hoje), cidade de imigração por excelência, é considerada o maior polo multicultural do Brasil. “É também uma das cidades do mundo onde a população é a mais variada”, observa o jornalista Francisco Noriyuki Sato, um Nissei, um descendente de japonês da segunda geração no Brasil. “Aqui você tem também as comunidades mais importantes de origem italiana, espanhola e libanesa fora de seus respectivos países”, conta Cristiane Sato. “Com todas as dificuldades de readaptação que isso gera, pois eles não falam mais português…” dos jovens pela cultura de seus antepassados. O jornalista tem um olhar crítico por seus país “adotivo”. E se São Paulo se mostra confiante, do alto de seu sucesso econômico insolente neste início de século, ela não se esquece de seu passado. “O Paulista (Nota do Repórter: habitante de São Paulo) se orgulha de suas origens e fala disso, completa Cristiane Sato, esposa de Francisco. O que causa muita rivalidade com os Cariocas, os habitantes do Rio”. Como em todos os domingos, o casal assiste às reuniões da associação cultural japonesa, verdadeira “think thank” dos Nikkeis, como eles são chamados em São Paulo. OsChineses, “cada vez mais numerosos no bairro, mas que não se integram”, passando pela festa que será organizada no mês que vem em homenagem aos políticos nikkeis recentemente eleitos, cerca de dez membros da organização relatados a esta reportagem.“Atores, músicos, políticos ou empresários, encontramos Nikkeis em todas as classes da sociedade, prossegue Francisco Sato. Os estudos foram sempre muito importantes para os Japoneses. Tanto que a primeira coisa que nossos antepassados construíam ao chegar aqui eram escolas.” Os Nipo-Brasileiros ocupam frequentemente bons postos na sociedade paulista. “Você nunca encontrará um Nikkei numa favela. Isso é um ponto de honra…”  Vindo para São Paulo em 1934, aos três anos de idade, Hirofumi Ikesaki, um Issei da primeira geração se lembra da “dureza” do trabalho no campo. Aos quinze anos ele decidiu vir sozinho para a cidade. “Eu trabalhei em tudo, como taxista, entregador e tintureiro”. Então o Sr. Ikesaki fundou sua própria empresa que hoje virou um império. Ikesaki se tornou o maior fornecedor de material para cabeleireiros brasileiros e um dos principais grupos cosméticos do país. É impossível não passar ao lado de sua enorme loja ao lado da Praça da Liberdade. O homem, que também se orgulha de ter sido eleito o Empreendedor de São Paulo de 2004, é um dos raros Nikkeis a permanecer fiel à sua religião de origem, o xintoísmo. “Nós não tínhamos escolha”, explica Francisco Sato, “se quiséssemos estudar numa escola pública, tínhamos que nos converter ao cristianismo”. Em 2008, acomunidade nikkei festejou em grande pompa, com a notável presença do príncipe Naruhito do Japão, o centenário de sua imigração ao Brasil. O objetivo das 165 primeiras famílias nipônicas que chegaram nas costas paulistas em 1908 era bem clara: (re)fazer fortuna nas plantações de café e voltar ao país de origem. “Na época o Japão teve uma explosão demográfica muito importante e se enfraqueceu por causa de suas duas guerras contra a Rússia e a China”, explicou o historiador Masato Ninomiya. A propaganda governamental dizia o seguinte: no Brasil existe uma árvore de ouro – a planta do café. Basta colhê-las”. As duas Guerras Mundiais impediram de vez esses imigrantes de voltar ao país. Mas, fosse por meio de bolsas de estudo ou de estágios, as trocas sempre existiram e ainda existem entre o Japão e os Nipo-Brasileiros. “Muitos Nikkeis voltaram ao país nos anos 80, quando o Japão teve uma forte expansão econômica,Eles são chamados de Dekasseguis.” Mas, sinal dos tempos e da boa saúde econômica do Brasil, nestes três últimos anos aproximadamente 100 000 Dekasseguis retornaram ao Brasil.  Há muito voltada para si mesma, a comunidade japonesa se abriu totalmente com sua quarta geração de descendentes, os “Yonseis”. “De alguns anos para cá é que temos sido vistos como inteiramente Brasileiros”, prossegue a esposa Sato. Os casamentos mistos já não são mais um problema. Os Nikkeis estão com olhos cada vez menos puxados…” E mesmo se a nova geração quase não fala mais japonês, o Sr. Sato revela uma “renovação de interesse” “O Brasil tem agora uma economia de primeiro mundo, mas ainda guarda uma mentalidade de país de Terceiro mundo. Veja os partidos políticos, eles são todos populistas. Nunca se teve direito a um verdadeiro debate de fundo esquerda-direita durante estas eleições. É uma pena”. Os casamentos mistos continuam, por outro lado, sendo um tabu para a comunidade sul-coreana de São Paulo (50 000 pessoas), instalada no antigo bairro judeu do Bom Retiro. Cantarolando o mais novo sucesso da modabrasileira, o computador de Marcos Kin, 27, sente-se, contudo, “90% Brasileiro”.”Já levei amigas “ocidentais” em casa. Masme casar com uma não-Asiática, acho que isso faria escândalo. Nossa imigração é mais recente (NdR: os primeiros Coreanos chegaram em 1963 no Brasil). Ainda vai levar alguns anos para recuperar o atraso em relação aos japoneses. “Não faz muito tempo, haviam frequentes brigasentre os membros da comunidade coreana e os Nikkeis, prossegue André Kwon, gerente de um cybercafé. As coisas estão mais calmas. Mas haverá sempre uma rivalidade com os Nipo-Brasileiros”. Se o Brasil se vangloria de sua abordagem única de povos e culturas (existe em brasileiro uma centena de palavras para designar a cor da pele de seus habitantes), as discriminações sociais permanecem enormes. Mesmo representando quase a metade da população, os Afro-Brasileiros (negros e mestiços) são grandemente subrepresentados na política (nenhum governador nos 27 Estados, e só um senador entre 81 antes das eleições de 2010) ou nas mídias, por exemplo. Mais de 62% dos Afro-Brasileiros vivem na pobreza e uma parte ínfima deles se forma na faculdade. Primeira mulher negra deputada do Brasil, Benedita da Silva afirmou em maio passado à revista “Le Point”:”Todo mundo finge, mas nas áreas de sucesso não se vê Preto, à exceção talvez de Pelé. Para nós Negros, ainda é como o Lula antes de sua eleição:. no Brasil simplesmente não se imaginava que umpobre pudesse ser inteligente”. Para remediar essa situação, muitas universidades instauraram desde 2003 um sistema de quotas para favorecer o acesso de estudantes “negros e mestiços” aos estudos superiores. Um sistema que rapidamente mostrou seus limites. Assim a imprensa brasileira relatou extensamente a história de dois irmãos gêmeos Alex e Alan Teixeira da Cunha que, em 2007, entregaram ambos seus dossiês de entrada para a Universidade pública de Brasília (UNB). Conforme exigido pelas autoridades da UNB, os dois irmãos enviaram uma foto de seus rostos, na esperança de se beneficiarem da quota de 20% das vagas reservadas aos negros e mestiços. Filhos de um casal “misto” (o pai é negro e a mãe é branca), Alex tem a pele levemente mais clara que Alan. Pelo menos na foto. Resultado: Alan foi aceito. Alex não. “Isso é ridículo. Nós temos o mesmo sangue e tiramos a foto no mesmo dia”, explicou Alex que, finalmente ganhou seu recurso e entrou nas quotas da universidade. Desde então a UNB continua a aplicar esse princípio, mas mudou o método. Agora só após uma entrevista com os candidatos as autoridades decidem integrá-los nas quotas ou não. Para assegurar uma vaga no estabelecimento, alguns estudantes brancos não hesitaram em escurecer seus rostos via Photoshop… Vinte universidades brasileiras aplicam atualmente esse tipo de quotas no Brasil, e se os números são encorajadores (55 000 estudantes afro-brasileiros saíram diplomados desde 2003), o projeto continua fortemente criticado por diferentes políticos que o vêem como mais uma forma de discriminação, “o estabelecimento oficial” de raças diferentes no Brasil. É difícil também estabelecer um perfil para essas quotas: segundo um estudo da Universidade federal de Minas Gerais, 87% dos “Brancos” no Brasil possuem pelo menos 10% de genes de origem africana…
Mas as mentalidades estão, talvez, prestes a evoluir no Brasil, que foi um dos últimos países a abolir a escravatura. Com 20% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais, a candidata mestiça Marina Silva do partido verde provou em todo caso que o fenômeno “Barack Obama” não seria sem dúvida mais uma exceção reservada ao “grande irmão” norte-americano nos anos que virão.

Versão original, em francês

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