Chuyu Nakanishi à direita da foto, em Marília, 1937
Nascido em 22 de setembro de 1910 na cidade de Iburihashi (hoje Kaga), província de Ishikawa, sua família possuía uma indústria têxtil, que havia falido, e seu pai resolveu migrar para o Brasil. Chuyu estava na casa do seu tio em Kobe, quando recebeu a notícia e voltou correndo para sua casa. Espantosamente, sua mãe estava com uma boa fisionomia apesar de que iriam enfrentar uma longa viagem a um país desconhecido.
A emigração da família Nakanishi para o Brasil
As condições de trabalho pareciam boas. A família ficaria um ano como colono numa fazenda de café e depois estaria livre para adquirir e cultivar sua própria terra. Seu pai esperava morar no Brasil por 10 anos e retornar. Chuyu, entretanto, como estava na idade certa, havia feito o alistamento militar e, dentre 50 candidatos, foi um dos três selecionados como soldado de classe A. Isso deveria ser uma honra, mas seu pai não ficou feliz. O motivo é que seu irmão Saburo tinha apenas 14 anos e os demais 4 irmãos eram ainda mais novos, em idade insuficiente para ajudar na agricultura.
Assim, seus pais e irmãos partiram em 10 de maio de 1930 do Porto de Kobe para Santos, deixando somente Chuyu no Japão. No mesmo navio, de Ishikawa, embarcaram a família Ogawa (de Iburihashi) e a família Sugieda (de Hakui).
Até o ingresso no serviço militar, que se daria no dia 10 de janeiro de 1931, Chuyu ajudou na firma do seu tio de Kobe e depois foi trabalhar como temporário numa empresa junto com um outro tio. Depois, foi admitido na 7ª tropa do exército de Kanazawa e cumpriu o serviço militar durante dois anos.
Preparando a viagem solitária para o Brasil
Chegando próximo da data de embarque ao Brasil, foi visitar pessoas e locais conhecidos. Primeiro visitou o Jinja (templo xintoísta) e o Joshoji (templo budista de Iburihashi) e a escola primária. Na época, havia 380 casas em Iburihashi e Chuyu resolveu ir se despedir em todas elas, tarefa que lhe tomou dois dias. O navio partia de Kobe, que estava a nove horas de Iburihashi viajando de trem. Chuyu saiu no trem noturno e seus parentes e amigos vieram se despedir na estação. No templo de Ise, em Mie, que havia visitado pouco tempo antes, prometeu retornar depois de 20 anos, mas não havia nada certo naquele momento, só incertezas.
Após passar por Kyoto ao amanhecer, o trem chegou à estação Sannomiya, em Kobe. Foi direto para a hospedaria dos imigrantes. Foi encaminhado ao quarto, que lhe pareceu um alojamento militar. Havia famílias com muitas crianças. Embarcariam no próximo navio cerca de 800 pessoas. Como estava sozinho, sem haver o que fazer, resolveu dar uma volta do lado de fora. Nos dois lados da rua havia lojas de produtos para os emigrantes, como roupas e miudezas, e até livraria e loja de instrumentos musicais.
No segundo dia na hospedaria houve um chamado para que os chefes de família comparecessem ao salão principal. Houve explicações sobre os procedimentos de embarque, cuidados dentro do navio, obediência aos horários quando do desembarque em portos pelo caminho, e explicações gerais sobre o Brasil. Independente da idade, todos receberam 50 ienes de ajuda de custo. Chuyu, que não esperava isso, ficou feliz. Houve explicações sobre o uso de dinheiro durante a viagem e ao desembarcar no Brasil. Disseram que, para quem não tem necessidade de portar dinheiro, depositar no Banco de Yokohama era uma opção segura. Pensando nos pais e irmãos que viu partir três anos antes, resolveu comprar um toca-discos, que custou 12 ienes. Com os 38 ienes restantes, comprou 30 discos. Músicas infantis, músicas populares, músicas folclóricas, recital de poemas, soprano, tenor e narrações de filmes foram os escolhidos.
A longa viagem de 58 dias para o Brasil
Cincos dias se passaram num piscar de olhos. No dia da partida, formou-se uma longa fila para embarque. O tio de Kobe veio sozinho na despedida. As fitas de despedida ocuparam toda largura da embarcação. Familiares gritavam “Genki de! Sayonara!”. Quando começaram a entoar a música “Hotaru no Hikari”, o navio começou a se afastar do porto. Foi a despedida do Japão para um futuro incerto, deixando para trás as lembranças da infância, da escola, dos amigos do exército e dos familiares. As outras pessoas no convés observavam as montanhas ficarem cada vez menores com lágrimas nos olhos.
Chuyu foi ver seu quarto que ficava na terceira classe. Havia uma grande mesa no meio e beliches nos dois lados. “A família do sr. Murakami, que teria sido chefe da estação de Ishinomaki (Miyagi) ocupou uma parte, e além de mim havia sete jovens solteiros. Um dos jovens era Urakawa, de Fukuoka, que era o encarregado do transporte daquele navio. Ele também estava migrando. A primeira parada foi em Cingapura, onde permaneceram por dois dias e puderam conhecer um pouco o lugar.
Como os colegas de quarto souberam que ele tinha um toca-discos, pediram para tocar alguma coisa. Depois, as filhas do sr. Murakami cantaram duas músicas. O som ecoou pelos corredores e atraiu outras pessoas, principalmente crianças, que vinham ouvir músicas todos os dias.
No alto-falante foi anunciada a travessia da linha do Equador, e também, pelo mesmo equipamento, ouviu-se quando se deu a submersão de uma criança falecida a bordo. Apenas um sinal (pooo) e o corpo foi lançado às águas e desapareceu em menos de um minuto. Foi um momento de muita tristeza.
O navio seguiu viagem passando por Mombassa, Zanzibar, Lourenço Marques, Durban e Port Elizabeth para descarregar e carregar mercadorias. Quando estava na costa africana, o seu colega Urakawa pediu-lhe um favor. Urakawa tinha 27 anos e estava viajando sozinho, porém, soube que seria mais fácil arrumar emprego se estivesse casado. Conheceu uma moça no navio, conversou com os pais dela, o diretor do navio concordou, e ele queria casar com aquela moça a bordo, na sala do capitão. O problema era o custo de 30 ienes, que Urakawa tinha, mas que teria que guardar para as primeiras providências após o desembarque. Como seu pai viria buscá-lo em Santos, Chuyu sabia que não precisaria se preocupar com dinheiro, e assim decidiu emprestar o valor para o colega, que prometeu devolver no Brasil. Em 1936, quando Chuyu morava em Marília, um conhecido veio entregar-lhe 150 mil réis, que correspondia aos 30 ienes emprestados. Urakawa morava na região de Bauru e era professor de japonês, mas os dois amigos nunca mais se encontraram.
O pai de Chuyu foi buscá-lo no Porto de Santos
A embarcação chegou ao Cape Town, e após, dois dias, partiu rumo a Santos, trecho que deve ter levado uma semana. A viagem toda durou 58 dias. Seu pai foi buscá-lo no Porto de Santos. O ano era 1933. Há três anos, no Japão, seu pai era gordo, mas em Santos estava bem mais magro. Após pegar a bagagem, a maior parte dos passageiros pegou o trem para a hospedaria dos imigrantes, no Brás, em São Paulo, enquanto Chuyu e seu pai pegaram uma carroça puxada a cavalo para irem até a estação de trem a dois quilômetros do Porto. Era o ponto inicial da linha Juquiá, de onde iriam até a estação Alecrim, a 110 km de Santos. A partir dessa estação havia mais 8 km até a casa (atual município de Toledo). A bagagem foi despachada em Santos e os dois pegaram o trem só com a bagagem de mão. Foi a primeira viagem de trem no Brasil, mas não viu diferença com o similar japonês, apenas constatou que fagulhos de brasa entravam pela janela. Soube então que a composição utilizava lenha e não o carvão mineral. Como já era tarde, os dois se hospedaram numa pensão perto da estação Alecrim, que no dia seguinte, seu irmão viria pegá-los.
No dia seguinte, bem cedo, foram até a estação apanhar a bagagem despachada, que chegou sem problemas. Ao redor da estação havia lojas de produtos alimentícios, farmácia, padaria, papelaria e utilidades domésticas, num total de 30 ou 40 casas. Seu irmão Saburo chegou trazendo um burro. Ele tinha 16 anos, mas já era forte e mais alto que Chuyu. Em casa, sua mãe, uma irmã e mais três irmãos estavam à espera dos três.
Os pais de Chuyu haviam cumprido o contrato de um ano numa fazenda de café e depois se mudaram para Alecrim. O local era conhecido como assentamento “Nikko”, e estava a 500 metros de altitude, onde a produção principal era o arroz. Havia 5 famílias naquele assentamento, e quase todas vieram recebê-lo na chegada à sua nova residência. Infelizmente, todos eles acabaram deixando o assentamento em dois anos. Como a família Nakanishi era grande, seu pai foi cultivar em Ana Dias, enquanto ele e dois irmãos dirigiram-se para o interior de São Paulo, fixando residência em Água da Cobra, localidade a 20 km de Marília, para onde se foram em 1936.
Chuyu casou-se com Iriko Sasaki, que havia conhecido no navio, quando ela e a irmãzinha foram ouvir música no toca-discos, durante a viagem para o Brasil. Eles se reencontraram na região de Marília por acaso.
Exportando bananas na Cooperativa Agrícola de Cotia
Em 1939, o pai de Chuyu adoeceu repentinamente, e como não havia médicos, foi levado ao óbito rapidamente. Como não poderia sobreviver com uma pequena plantação de banana, reuniu outros produtores e planejou fazer exportação de banana. Primeiro, inscreveu-se como associado da Cooperativa Agrícola de Cotia, e se esforçou para ter o apoio de todos os produtores da linha Juquiá de trem. Em 1945, a Cooperativa criou o setor de exportação e Chuyu foi contratado como coordenador. Em 1949, o volume de exportação havia crescido para 40 mil cachos, e o setor foi transferido para Santos. Em 1953 e 1954, a exportação chegou a 100 mil cachos, e dentre as 50 empresas exportadoras do Brasil, a Cooperativa ocupava a primeira posição em quantidade. Em 1957, resolveu deixar aquela cooperativa para se voltar à sua propriedade, em Caraguatatuba.
Hoje, uma bela cidade turística, na época era um local simples onde se cultivava banana. Em 1949, associados da Cooperativa haviam adquirido 2 mil hectares de terra nessa cidade, para desenvolver um assentamento e Chuyu Nakanishi foi o chefe de sua construção. Gostou tanto do lugar, que acabou adquirindo um dos lotes no bairro de Getuba. No seu terreno, instalou melhorias, como uma pequena usina hidrelétrica, e plantou inicialmente banana.
A terrível “tromba d’água” de Caraguatatuba em 1967
Caraguatatuba após a enchente em 1967
Em fevereiro de 1967, a cidade de Caraguatatuba sofreu com o excesso de chuva que causou deslizamento dos morros, um fenômeno que ficou conhecido como “tromba d’água”, que matou mais de 200 pessoas e deixou parte da pequena cidade desabrigada. Todos os caminhos para a cidade foram interrompidos e o fato ganhou manchetes de jornais, revistas, rádio e TV. Até o cantor Roberto Carlos e os músicos do programa Jovem Guarda se mobilizaram, montando um pequeno palco na Rua da Consolação, no Centro de São Paulo, para arrecadar doações de roupas e mantimentos.**
O terreno de 40 hectares de Chuyu, onde ele cultivava maracujá e hortaliças também sofreu danos, perdeu a estrada, a ponte e a plantação. A cidade formou uma comissão de recuperação e Chuyu a presidiu por quatro anos, até a recuperação total da região devastada.
Chuyu Nakanishi foi também um líder dentro da coletividade nikkei, participando da fundação da Associação Japonesa de Água da Cobra, e daquela que se formou em Caraguatatuba, Ubatuba e São Sebastião.
Apesar de ter prometido retornar ao Japão em 20 anos, Nakanishi só conseguiu concretizar o sonho mais de 40 anos depois, entretanto, voltou outras vezes para visitar sua terra natal e conseguir auxílio para a construção da atual sede da Associação da Província de Ishikawa em São Paulo, inaugurada em 1995.
Como presidente da Associação da Província de Ishikawa do Brasil
Ele presidiu a entidade até 1997 e também presidiu a Federação das Províncias Japonesas no Brasil (Kenren). Foi amigo de Yoshito Mori, também de Ishikawa, que chegou a ser Primeiro Ministro e foi presidente do Comitê Olímpico Japonês (Tokyo 2020), e de Yoichi Yamato, deputado federal. Ambos ajudaram Nakanishi a conseguir verba para a construção da sede própria da Associação no Brasil.
Em 2001, Chuyu viajou pela última vez ao Japão. Em Abril de 2006, Chuyu Nakanishi recebeu a homenagem “Ordem do Sol Nascente”, do Imperador do Japão, documento este assinado pelo então Primeiro Ministro Junichiro Koizumi. Ele faleceu em 24/07/2010, faltando muito pouco para completar um século de vida bem vivida.
** Quem tiver interesse em entender o que foi a “tromba d´água” de Caraguatatuba, há um bom material com vídeo neste link da Tamoios News. https://tamoiosnews.com.br/memoria/ha-52-anos-atras-caragua-foi-palco-da-maior-catastrofe-natural-ocorrida-no-pais/
Francisco Noriyuki Sato, formado em Jornalismo pela USP, autor dos livros História do Japão em Mangá, Banzai – História da Imigração Japonesa no Brasil, entre outros, é presidente da Abrademi e editor do site culturajaponesa.com.br. Foi bolsista da JICA, em 2014, estudando na Universidade de Kanazawa, em Ishikawa, quando se encontrou com os familiares de Chuyu Nakanishi. Aliás, Chuyu Nakanishi havia sido seu vizinho na sua infância em Caraguatatuba.
Ministrou palestras em universidades e museus do Japão em 2016 e 2019. Desde 2017 ministra o Curso Completo de História do Japão, em São Paulo presencial e on-line.