História da imigração – parte 3
RÁPIDO CRESCIMENTO E PROSPERIDADE
A partir de 1920, com a ampliação do sistema de colonização de terras virgens no interior de São Paulo, o fluxo de imigrantes japoneses para o Brasil acelerou-se. Embora os imigrantes se dedicassem principalmente à atividade agrícola, os japoneses fundaram cidades como Bastos e Tietê, que hoje são importantes polos urbanos regionais do interior paulista, fundadas em 1928. Outras cidades, como Iguape e Registro no litoral sul paulista, concentraram muitas colônias de imigrantes desde 1917, e cresceram com a produção agrícola implementada pelos japoneses, especialmente no cultivo da banana e do chá. Já no interior os japoneses dedicaram-se a outros produtos, principalmente ao café e ao algodão, que na época era muito valorizado por ser matéria-prima básica da indústria têxtil. Em 1929 os primeiros japoneses desbravadores da região amazônica instalaram-se em Acará, no Pará (atual Tomé-Açú). No mesmo ano outras colônias foram assentadas no Paraná (Londrina) e em Goiás (Anápolis). Também naquele ano a Quebra da Bolsa de Nova York causou uma forte desvalorização do café brasileiro no mercado internacional, o que afetou muitos imigrantes. Aquela crise, acrescida do fato de que a população urbana no Brasil passou a crescer, levou muitos japoneses a se dedicarem ao plantio de arroz, feijão, batata e tomate para abastecer as cidades.
A imigração japonesa para o Brasil, apesar do apoio governamental, era essencialmente realizada por empresas privadas, entre as quais destacou-se a Kaigai Ijuu Kumiai Rengokai (Confederação das Cooperativas de Emigração) no Japão, fundada em 1927, e sua filial brasileira, a Bratac (contração de Brasil Takushoku Kumiai Ltda., ou “Sociedade Colonizadora do Brasil”). Em 1932 o Consulado Geral do Japão em São Paulo divulgou que 132.689 japoneses já haviam imigrado, e que mais 25 mil e 800 pessoas já tinham autorização para entrar no país no ano seguinte. Entretanto, desde 1930 o Brasil estava sendo comandado por Getúlio Vargas, militar que tomou o poder num golpe de estado, implantando um regime autoritário populista batizado de Estado Novo. A simpatia do governo novo por líderes autoritaristas europeus da época, como Mussolini e Hitler, refletiu-se no Brasil na forma de discussões a partir de 1932 visando baixar normas para restringir a entrada de imigrantes japoneses no país.
No período anterior à 2ª Guerra Mundial (1939-1945), os imigrantes japoneses tinham comportamento e valores parecidos com os dos atuais dekasseguis (brasileiros que emigram para o Japão a trabalho). Os imigrantes não vinham com o intuito de permanecer para sempre na nova pátria, mas o de economizar e voltar em alguns anos para a terra natal. Isso fez com que muitas famílias de imigrantes adotassem estilos de vida espartanos, até mesmo avaros, o que na época gerou um dito popular de que se podia “reconhecer o sítio de um japonês pela beleza de suas plantações e pela miséria de sua casa”. E como a intenção era de retornar ao Japão, os imigrantes faziam muita questão de que seus filhos fossem educados como japoneses e que freqüentassem escolas japonesas. Em 1938 haviam em São Paulo 294 escolas japonesas (a título de comparação, haviam 20 escolas alemãs e 8 italianas). Mas haviam sinais de que muitos imigrantes já tinham o intuito de adotar o Brasil como nova pátria definitiva. O primeiro e mais claro sinal foi o início da construção do Nippon Byoin(Hospital Japão), atual Hospital Santa Cruz em São Paulo, em 1936. No mesmo ano um manifesto escrito por Kenro Shimomoto, primeiro advogado nipo-brasileiro, reconhecendo o Brasil como sua pátria, gerou polêmica na comunidade.
Hospital Santa Cruz | Novas instalações do Hospital Santa Cruz |
SUBITAMENTE INDESEJADOS
O agravamento das relações políticas na Europa e a iminência de uma grande guerra teve reflexos imediatos sobre as comunidades de imigrantes no Brasil. A partir do Natal de 1938 todas as escolas de língua japonesa, alemã e italiana foram obrigadas a fechar as portas, e o ensino desses idiomas proibido. Até 1939, ano em que a 2ª Guerra Mundial começou na Europa, o conflito gerou poucos efeitos imediatos sobre as comunidades de imigrantes mas a partir de 1941, quando os Estados Unidos entraram na Guerra, o Brasil optou por uma postura de colaboração crescente com os americanos e as restrições aos imigrantes das nações inimigas endureceram. A publicação de jornais em japonês foi proibida pelo governo brasileiro, e os Correios suspenderam os serviços entre Brasil e Japão. A imigração de japoneses ao Brasil foi proibida, e o navio Buenos Aires Maru, que chegou ao país em 1941, foi o último de um ciclo iniciado pelo Kasato Maru.
Escola Promissão |
Literalmente do dia para a noite os imigrantes japoneses passaram a ser alvo de suspeita, perseguição e preconceito. Comunidades inteiras de imigrantes que viviam nas cidades, em especial em Santos e São Paulo, receberam ordem de evacuação – em menos de 6 horas famílias foram retiradas de suas casas e enviadas a fazendas de isolamento no interior. Imóveis, dinheiro e quaisquer bens de valor dos imigrantes foram tomados para “posterior inclusão no fundo de indenização de guerra”. O Banco América do Sul e o Hospital Santa Cruz, fundados pelos imigrantes japoneses, tiveram suas diretorias afastadas e passaram a ser administrados por interventores nomeados pelo governo. Reuniões com mais de 5 pessoas passaram a ser proibidas – até festas de aniversário e de casamento foram prejudicadas.
Em agosto de 1942 um navio mercante brasileiro foi afundado por um submarino alemão perto de Belém e a população local, como vingança, destruiu e incendiou casas de imigrantes alemães, italianos e japoneses. A título de fiscalizar e “proteger” os imigrantes, o governo federal resolveu recolher em Acará (atual Tomé-Açu, PA) todos os japoneses, alemães e italianos que residiam na região norte do país. As perseguições aos imigrantes alastraram-se também no litoral do Paraná, pelo interior de São Paulo e de Mato Grosso. Por serem orientais, portanto facilmente distingüíveis no meio da população brasileira, os imigrantes japoneses foram os que mais sofreram ataques e prejuízos com o preconceito popular e com a perseguição governamental. Mas é da sabedoria universal que não existem “guerras justas”, e que em toda guerra o que realmente existe é um arrazoado de conveniências que são ocultadas da opinião pública. Apesar da postura antinipônica, o governo brasileiro não apenas tolerava como estimulava imigrantes japoneses a cultivarem o algodão, o bicho-da-seda e a hortelã (menta). Atuando como intermediário na exportação desses produtos para os Estados Unidos, onde o algodão era usado na fabricação de uniformes, a seda na fabricação de pára-quedas e a menta era produto base da indústria química na fabricação de explosivos e em sistemas de refrigeração de motores de alta velocidade, o governo brasileiro também lucrava com o conflito.
Tal situação de coisas causou sentimentos e comportamentos totalmente díspares no seio da comunidade nipo-brasileira. Antes da guerra, boa parte dos imigrantes achava que após anos ou décadas no Brasil não podiam agir como parasitas, que sugam o melhor que a terra dá para depois irem embora. Em 1939, Shungoro Wako escreveu: “Recordemos que nós já vivemos trinta anos neste país e tivemos nesse espaço de tempo, o sacrifício de vida de homens, mulheres, velhos e crianças (…). Regressar ao nosso país de origem, abandonando estas sepulturas não representa cumprir um dever para com nossos antepassados (…). Então, contribuir com o nosso sangue misturado ao dos brasileiros , introduzindo nossas boas tradições, (…) encontraremos o verdadeiro significado da nossa imigração (…), devemos trabalhar com todas nossas forças até o dia do nosso sepultamento nesta terra, orando pela prosperidade de nossa pátria e fazer dos nossos filhos bons brasileiros, capazes de servir ao Brasil”. Entretanto, o sonho de que o Brasil como uma terra receptiva e rica em oportunidades foi rapidamente destroçado pela agressiva atitude antinipônica dos brasileiros. Muitos imigrantes passaram a querer retornar ao Japão ou até emigrar para a Manchúria ou a Coréia, então sob controle japonês. O próprio Wako, em 1940, mudou de opinião publicando um artigo no qual ele passou a defender a reemigração para a Ásia. Em 1942 as relações diplomáticas entre o Brasil e o Japão foram rompidas, e a retirada dos representantes do governo japonês deu aos imigrantes a consciência de que eram “súditos abandonados” à própria sorte num país que não os queria.
CAOS E SUPERAÇÃO
Como visto anteriormente, na intenção de manter os “súditos do Eixo” sob vigilância e controle, o governo brasileiro proibiu a publicação de jornais em japonês. Tal medida fez com que os imigrantes, na maioria com conhecimentos limitados de português, fossem privados de informações corretas sobre o que ocorria tanto no Brasil como o exterior, em especial sobre o desenrolar dos acontecimentos da guerra. Vivendo quase à margem da sociedade devido às medidas de perseguição aos imigrantes das nações inimigas, a comunidade nipo-brasileira tinha esperança que sua situação melhorasse se o Japão vencesse a guerra. Haviam imigrantes, entretanto, que diziam “quando” – e não “se” – o Japão vencer a guerra.
Em 1944 o conflito na Europa já dava sinais de arrefecimento, mas no Pacífico batalhas sangrentas ainda eram travadas entre tropas americanas e japonesas. A desinformação propiciou o surgimento de dois grupos ideológicos distintos dentro da comunidade de imigrantes: oskachigumi (“vitoristas”, que acreditam que o Japão venceu a guerra) e os makegumi (“derrotistas”, que acreditam que o Japão perdeu a guerra). Os kachigumi eram um grupo que reunia imigrantes com formação militar, extremistas paranóicos ao ponto de considerar patrícios que acreditassem que o Japão pudesse perder a guerra como traidores, realizar atentados para intimidar aqueles que acreditassem ser colaboradores dos inimigos e de agir sem qualquer escrúpulo, falsificando de notícias a papel-moeda. Os primeiros sinais do problema surgiram quando várias plantações de menta e casas de processamento de bichos-da-seda de imigrantes japoneses foram destruídas. As autoridades policiais descobriram que outros imigrantes japoneses haviam sido os autores das depredações, mas menosprezaram o ocorrido (os agricultores e sericultores atacados eram considerados traidores por produzirem em benefício dos inimigos do Japão). Em 1945, quando o Japão se rendeu após os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki, circulou na comunidade nipo-brasileira uma notícia falsa, com fotos dos representantes japoneses no encouraçado americano Missouri, afirmando serem cenas da rendição americana ao Japão publicadas no jornal “A Tribuna” de Santos de 16 de setembro.
Confusa e malinformada devido aos anos de “apagão jornalístico” imposto pelo governo brasileiro, boa parte da comunidade de imigrantes passou a acreditar na propaganda vitorista, e oskachigumi se transformaram num grande movimento organizado, auto-denominado Shindo Renmei (Liga do Caminho dos Súditos), que em poucos meses conseguiu congregar mais de cem mil pessoas. Em outubro de 1945 iniciou-se um movimento através da Cruz Vermelha Brasileira, com a participação de lideranças esclarecidas da comunidade nipo-brasileira, para conscientizar os imigrantes da derrota do Japão na guerra. A confrontação ideológica causou uma onda de atentados terroristas da Shindo Renmei. De março de 1946 a janeiro de 1947 ocorreram uma série de assassinatos e tentativas de homicídio, tendo como alvo imigrantes que apoiaram o movimento derrotista – foram mais de 100 ocorrências e 23 mortes no estado de São Paulo. Imigrantes estelionatários aproveitaram-se da desinformação e do caos e aplicaram golpes em seus patrícios, como o “conto da passagem” (venda de passagens marítimas falsas de volta ao Japão) e o “conto do iene” (venda da moeda japonesa aa preços altos quando, na verdade, o iene se encontrava totalmente desvalorizado com a derrota do país na guerra). O medo e a desconfiança instalou-se na comunidade.
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